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terça-feira, 17 de março de 2009

A essência vazia



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Quanto de seus pais existe em você?
Podemos não perceber, mas possuímos muito mais do que características genéticas provindas deles. Por mais que se saiba da influência dos genes no que somos, a influência comportamental, psicológica que difunde dessas duas pessoas pode comprometer nosso vínculo social e, até mesmo, nosso futuro como cidadãos e seres pensantes.
Muito comum ouvirmos de todos os lados comentários como “Você é a cara do seu pai!” ou “Seus olhos são idênticos aos de sua mãe!”. Na maioria das vezes, damos um sorriso sem graça, e mesmo na infância, que é onde esses comentários começam, já sabemos que não somos somente os “olhos da mamãe” ou que temos os “traços do papai”, temos consciência que, muitas vezes, somos o oposto deles; pode ser que realmente pareçamos fisicamente em algo, mas, às vezes, parecemos mais filhos adotivos que filhos biológicos.
Os pais, irremediavelmente, não acertam sempre. Por mais que queiram nos fazer pensar que sim, com o tempo, passamos a observar seus erros e os criticamos em voz alta ou, para os mais contidos, em pensamento.
Nossa cultura nos ensina a respeitar e ouvir os mais velhos. Normalmente quem ensina isso são, justamente, os mais velhos. É inegável a experiência que se encontra em uma pessoa de mais idade, porém ditar esse fato como regra é anular a experiência e sabedoria de jovens que já possuem o conhecimento e maturidade emocional de toda uma vida aos 20 anos de idade, ou menos.
A quantidade de idade não é sinônimo de responsabilidade, muito menos de ausência de falhas. Quanto mais observo os “experientes” ao meu redor, mais percebo o quanto o conhecimento de mundo envolve consciência e comprometimento com a própria vida.
Poucos são aqueles que são estimulados a pensar. É de conhecimento que a manipulação acontece na ignorância, na inocência induzida. Manter o controle é muito mais fácil sobre aqueles que não argumentam, e que, na verdade, nem sabem que deveriam assim proceder e isso começa, em grande maioria, dentro de casa.
A relação pais e filho é uma relação firmada sobre a regra: “Obedeça e não questione. Sou seu pai, você me deve respeito.”, salvo algumas exceções. Muitos, ao ouvirem algo assim, se assustam, vêem como injúria, falta de respeito, pois se deparam com algo aprendido desde a infância; a “normalidade” não pode ser colocada em questão, a imagem dos pais colocados num patamar elevado não se move, ela permanece ali mesmo com o passar dos anos, e o pior, fazemos o mesmo com nossos filhos ou por quem somos responsáveis.
Assim, entramos num contra-senso: como podemos ser tão parecidos com nossos pais mas, ao mesmo tempo, queremos ser seu oposto?
Quando somos crianças a coisa que mais queremos na vida é nos tornamos adultos. Meninas roubam a maquiagem da mãe, usam seu sapato de salto alto, meninos imitam gestos do pai, gostam do mesmo time que ele etc. Generalizar nem sempre é bom, pois sempre haverão exceções, mas existem coisas que a maioria nos permite usarmos como referência. Assim, quando nos tornamos adultos, observamos como queremos voltar a ser crianças, como perdemos tempo querendo pintar as unhas enquanto era tão bom pular corda, jogar bola na rua. Não, a culpa não é só dos pais, a mídia ajuda também. Um clichê que dificilmente será deixado de lado. É terrível ver mães querendo que suas filhas sejam modelos, atrizes, que apóiem desejos tão precocemente fúteis, enquanto deveriam cobrar o empenho com os estudos, com a obrigação de ser criança, influenciam e aceitam os desejos que de infantis não têm nada.
Os anos passam, a adolescência chega e passamos a ser os “rebeldes” da família. As perguntas mais variadas não saem de nossa cabeça. Achamos nossos pais chatos, já não queremos seguir suas regras, temos vontade própria, queremos chegar tarde em casa, experimentar o proibido, queremos o que todo jovem quer ou um dia quis, queremos o que um dia nossos pais quiseram, brigamos por aquilo que um dia nossos pais brigaram mas pra eles isso foi tudo apagado pelos anos, sua rebeldia de outrora já não existe, eles querem a perfeição de sua prole, querem reconhecimento e obediência.
A individualidade, a necessidade de liberdade não podem ser suprimidas, como também, as regras não podem ser quebradas simplesmente por vontades pessoais, até porque, sem certas regras, o caos se instalaria e um caos crônico traria mais destruição que propriamente progresso; o que existe é sede pelo poder. O poder do homem sobre o animal, o poder do governante sobre seu povo, do pai sobre seu filho. Isso traz solidez, satisfação pessoal, hedonismo.
Mas como fugir dessas influências vivenciadas tão precocemente? Como não se preocupar com o filho que ainda não chegou em casa depois da meia-noite? Como anular nossa sede por respeito dentro de nossa família? Na vida?
Pensamentos e comportamentos podem ser mudados, mas talvez tenhamos medo de sermos diferentes, de batermos de frente com velhos conceitos, aqueles que carregamos desde cedo; questionar aquela religião que fomos educados mas que, pra nós, não faz sentido algum, por que não podemos ser nós mesmos sem o receio de deixarmos pra trás os traços emocionais que herdamos de nossos pais e as vontades que nossas mães depositaram sobre nós?
Está cada vez mais difícil sermos originais, sermos o que somos de fato, tudo isso por não conseguirmos separar o que faz parte de nossa essência e o que nos foi acrescentado durante os anos, pois talvez tudo isso seja importante para nosso crescimento, talvez não sejamos puros como pessoas, mas sejamos a tal tabula rasa que tanto se fala, somos o papel em branco que está disponível à escrita de qualquer mão que nos acrescente algo de bom ou que nos leve à perdição.

Nathalie Palácio